Eles não sobem em árvores.
Bom, nem nós. Mas neles é pior, o baú da memória está nu: eles nunca subiram.
Não há essa função em seus smartphones, ou app dedicado no play store. Nem game
de escalada em árvores temos, embora haja até game que simule fábrica de
cupcakes.
Cresci numa área
periférica, miscigenada entre o puramente rural e o deficitariamente urbano. A
árvore era uma amiga e uma certeza de qualquer ponto da paisagem.
Subir em árvores era
manobra natural, filha primogênita da peraltice que fere toda criança. Claro,
havia o subir por puro lazer, esportivo, e havia o utilitário: a coleta de
frutas, ou desemaranhar uma pipa agarrada. Mangueiras, goiabeiras, jaqueiras,
jambeiros e cajazeiros, e o que mais Deus propusesse de frutas nativas ou
exóticas (exótica é a que veio de fora de nossa pátria, e Deus, ah, é um imenso
proponente). Havia hierarquia arbórea: Dividíamos as árvores em fáceis, médias,
difíceis e impossíveis de subir. Mas, as impossíveis tinham lá seus Quixotes:
os moleques especializados em escalada arborescente. Aqui tínhamos quem subisse
até em coqueiros e palmeiras, como a macaúba, cujo coquinho-catarro era iguaria
bem disseminada e apreciada na região. No mais, o instinto gregário e de
divisão laboral prevalecia: Eu, mau escalador, quantas vezes ficava no solo, só
aparando as frutas que os hábeis lançavam lá de riba? Duma vez que quase morri aparando
tentando aparar jacas (!) dá uma crônica daquelas hilárias. Outra hora.
Há pouco mais de uma
década, fazendo uma caminhada com meus sobrinhos de então uns 13 e 10 anos,
respectivamente, indaguei sobre o tema. Embora criados na mesma região que eu,
o peso geracional carregou a mão sobre os moleques, e eles nunca haviam subido
em sequer uma árvore na vida. Havia um pequeno pé de jamelão no caminho
(caminhávamos d Tribobó a Maria Paula), e, ao incentivá-los, percebi a verdade
do relatado, na imperícia desconcertante dos moleques.
Outro dia vi um texto
desses que circulam em grupos de Zap ou páginas de coroas do Facebook, que
despejava uma verdade no leitor: Você não vê mais crianças com gesso. How,
espere aí: Isso é bom, isso é ótimo. Certo? E isso é bastante ruim.
Gesso remedia fraturas, fraturas demandam tombos, tombos demandam movimento,
risco. Vivência fora da(s) ilha(s) de conforto e eletrotecnia.
Posso subir sobre uma de
minhas árvores diletas, sempre ele, o pé de jamelão, e apregoar sobre a
necessidade urgente de reconectar nossas crianças com a natureza crua (leia-se:
não mediada), mas isso é chover no molhado.
E como subir numa árvore que não existe? A suburbana cultura da árvore no quintal deixou de existir, substituída por funcional concreto, palmeiras e coqueiros interditados à escalada, a piscina ou a área de churrasqueira – vendida pelas empreiteiras de forma padronizada, pouco importa se o cliente aprecie – ou vá fazer uso – da tal churrasqueira. As empreiteiras vendem suas casas conjugadas/geminadas dentro do padrão de máxima utilitariedade e mínima espacialidade. Tal cultura não-arborizada meio que se espalhou pela mentalidade geral, nos subúrbios de algumas de nossas principais cidades e metrópoles. Você pode andar por lugares como o distrito maricasense de Itaipuaçu, com casas instaladas em terrenos de tamanho regular, numa configuração ideal para suportar de um ipê a uma mangueira, passando por toda a inumerável família de árvores e arbustos menores. Mas é possível caminhar por quarteirões sem ver quase copa alguma. Somente telhados coloniais e concreto. Quintais perfeitamente mortos – e funcionais. A Terra paga o preço, e o homem. E as crianças.
Há toda essa coisa das
gerações e suas peculiaridades. Baby Boomers, Z, X, Alpha etc. Por sinal, neste
2025 nasce justamente uma nova: a geração Beta. Sim, delimitações úteis – mas
até certo ponto: isso tem muito de simples presepada (ah, você já imaginava,
hum?), muita coisa conceituada a nível “beta” (provisório/experimental). Assim
como – fruto, reflexo? – as incansáveis delimitações e segmentações de
problemas mentais que pululam e fazem explodir de páginas os manuais de
psiquiatria, e de grana os editores, psicólogos e expedidores-de-laudos em
geral. Saiu uma nova atualização há pouco, também.
Voltemos ao tema, vamos de
uma polêmica por vez. Precisamos de árvores e de trepadores.
A internet trouxe luz, com
perfis de amantes de árvores e frutas, nativas ou exóticas, que trocam
informações e vendem mudas, via SEDEX, para todo o Brasil. Sim, quase toda
fruta que você (não) conhece pode ser adquirida em muda, chegando embalada no
seu portão. Outro dia vi um colecionador brasileiro de frutas (bem, para
brincar disso você precisa ter um sítio ou fazenda) que foi à Indonésia em
busca de conhecer novas espécies (sul e o sudeste asiático são um dos hotspots
fruteiros da Terra). Há empresas como a Safari Garden (@safarigardenplantas) e a
Colecionando Frutas (https://www.colecionandofrutas.com.br/), que vendem
fruteiras sortidas pelo correio. E há perfis como o do botânico e paisagista
Ricardo Cardim (@ricardo_cardim), atualmente badalado, e que ensina, em curtos
vídeos no Instagram ou Tik Tok, noções de arborização, paisagismo e botânica
aplicada aos temas citados.
Iniciativas fundamentais
para resgatarmos a cultura da árvore, e isso, os manuais não vão lhe ensinar,
passa pelo moleque e pela moleca, pela construção, neles, da familiaridade que
demanda experiências. Leve-os ao parque da cidade, àquele sítio que cobra por
diária. Uma trilha, uma caminhada na mata. A árvore na pracinha.
No mais, é restituir o que
o progresso dinamitou, a árvore ou arbusto em seu quintal, na calçada, no
terreno baldio em frente. Compre. Plante. Eles entregam embalado, em seu
portão. Muitas prefeituras distribuem mudas gratuitamente.
Como escrevi num poema, as
árvores são “playgrounds patamarizados”. Mas eles, os alfas e betas, precisam
descobrir, transitar entre os patamares, arriscar o tombo. E ela, a árvore,
precisa ser re-introduzida na sociedade, em seus solos e convívios, feito um
parente que passou tempo demais no exílio. Fazer as pazes conosco e ser
apresentada a nossos rebentos.
Estou pensando em
inaugurar uma “oficina de escalada de árvores”. A cada quinzena, numa APA ou
Horto Botânico. Para horror de algumas mães e avós, médicos e autoridades. Bem,
é preciso empreender e isso acontece – e prospera – no solo do risco.
Falando em risco, este sim
protuberante, o geoterror climático, assevera: É urgente nos reconciliarmos com
as árvores, e salvar o(s) que pudermos.
Sammis Reachers