quarta-feira, 15 de junho de 2011

Água para o ano inteiro


Nas grandes capitais, quando a chuva cai, vem logo uma preocupação com os transtornos causados pelos alagamentos. Mas no Semiárido e no Cerrado, que vivenciam, ano após ano, longos períodos de seca, é bem provável que a imagem de uma enxurrada faça surgir uma angústia de outra natureza, bem ilustrada por uma frase do tipo Meu Deus, quanta água boa sendo desperdiçada.


Para evitar a perda, é preciso bem mais do que a antiga estratégia de juntar baldes e bacias ao ribombar do primeiro trovão. E quem encontrou a saída foi o engenheiro agrônomo Luciano Cordoval, daEmbrapa Milho e Sorgo, de Sete Lagoas, Minas Gerais, ao desenvolver duas tecnologias sociais que, juntas, garantem o aproveitamento da água das chuvas.

O primeiro passo, segundo Luciano, é construir uma barraginha, espécie de açude em miniatura, constituído por uma cova de 1,5 a 2 metros de profundidade, em formato de meia lua, com 15 metros de diâmetro. Além de captar a água das enxurradas, ela conserva os recursos hídricos, pois umedece o solo e reduz a erosão, revitalizando córregos e nascentes.

As barraginhas possibilitam a elevação do lençol freático e, com isso, é possível lançar mão de outra tecnologia social: os lagos impermeabilizados com lona plástica, que podem ser usados, por exemplo, como criatório de peixes e irrigação de hortas comunitárias. No período chuvoso, o lago é abastecimento com água das chuvas, por meio de canaletas coletoras situadas no telhado. Já durante a seca, a água que enche o lago vem das cisternas.

"O mais importante das barraginhas, no entanto, é a oportunidade de vencer a seca, já que elas mantêm úmido o lençol freático, favorecendo a revitalização de nascentes", observa o engenheiro agrônomo.

A história da família Sú, de Araçaí, Minas Gerais, é um exemplo de como as duas tecnologias sociais podem ajudar a melhorar a vida das pessoas. Luciano conta que os moradores da comunidade Fazendinhas Pai José, em Minas, viviam às voltas com os entraves da escassez de água, suficiente apenas para garantir as necessidades mais imediatas e a sobrevivência de uma meia dúzia de galinhas. E olha que, para isso, os moradores precisaram cavar mais de 50 cisternas que, de tão profundas, mal dava para a vista alcançar o fim. Apesar de uma profundidade de até 42 metros, a água atingia apenas 2 metros, sumindo rapidamente, tão logo vinha a estiagem.

Mas o cenário mudou após a construção de 186 barraginhas, que se encheram durante o ciclo chuvoso, permitindo a infiltração do solo e, consequentemente, a alimentação do lençol freático. Com isso, a coluna d´água nas cisternas passou de 2 metros para 12 metros.

"Essa situação de escassez para abundância deixou as famílias enlouquecidas. Elas passaram a criar peixes nos minilagos de lona, além de regar as hortas de verduras, como a da família Sú", detalha Luciano, acrescentando que os lagos são usados, predominantemente, para criação de peixes, irrigação de hortas comunitárias e bebedouro para gado e pequenas criações.

Em outra comunidade, relata Luciano, os benefícios foram tantos que chegaram até São Paulo, onde vive a filha de Zezinho Brandão, que cria peixes nos lagos de lona. "Ele ficou emocionado ao lembrar que estava conseguindo produzir tanto peixe que até enviou o alimento para a filha, que mora longe", diz o engenheiro agrônomo.

Não é à toa, portanto, a receptividade em torno da integração das duas tecnologias, que, desde 2006, vêm sendo replicadas em comunidades rurais de baixa renda do Semiárido, no Sertão do São Francisco e em zonas urbanas com financiamento do programa Petrobras - Desenvolvimento e Cidadania. Na primeira etapa, entre setembro de 2007 e março de 2010, o apoio financeiro da empresa assegurou barraginhas e lagos de múltiplo uso para 819 famílias de agricultores e pequenos proprietários rurais de 30 comunidades, distribuídos em 16 municípios.

Agora, com a aprovação de um novo patrocínio do programa Petrobras - Desenvolvimento e Cidadania, iniciado em janeiro de 2011 e com previsão de dois anos de duração, outras mil famílias, de 60 comunidades, serão beneficiadas.

"O projeto tem atuação em Minas Gerais, (80%), Piauí (em Oeiras, tendo como parceira a Diocese de Oeiras) e Ceará. Neste último caso, atuamos em dois municípios do Cariri, Jati e Jardim, tendo como parceira a Fundação Mussambê", diz Luciano.

Coordenador do projeto, que em Minas é executado pela Faped, Luciano explica que as comunidades beneficiadas, em geral, trabalham com lavouras, criação de gado e de pequenos animais, artesanato e produção de rapadura.

"As comunidades são mobilizadas com palestras, treinamentos para construção de barraginhas e lagos, dias de campo demonstrativos", revela o engenheiro agrônomo, contando que os pequenos produtores rurais participam da gestão local das TSs. "Depois de treinadas e cortado o cordão umbilical, eles, os nossos parceiros, ou seja, ONGs, fundações, dioceses, sindicatos dos trabalhadores rurais, entre outros, passam a caminhar sozinhos, captando seus próprios recursos para construção das TSs. Ao nosso projeto cabe captar para as comunidades que não conseguem dar esses passos sozinhos", explica.

Se a chuva agora tem proveito garantido, que venham as trovoadas.

PARA SABER MAIS
Clique aqui e baixe o a publicação Barraginhas para captação de enxurradas (4,59 Mb - Arquivo PDF).


Assista aqui o vídeo do Dia de Campo na TV sobre o projeto Barraginhas.

Acesse aqui a página no Orkut - BARRAGINHAS: parceiras da vida.


Karine Rodrigues, Jornalista

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