terça-feira, 26 de maio de 2020

Imprensa, o Cão de Guarda (contra os canalhas)


Merval Pereira
A mais explícita prova da importância do jornalismo profissional para a saúde da cidadania quem forneceu foi o ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles no seu pronunciamento na reunião ministerial cuja integralidade a Nação, embasbacada, pôde ver e ouvir semana passada, no desdobramento do processo aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar a denunciada interferência do presidente Bolsonaro na Polícia Federal.
A bem da verdade, tenho que ressaltar que Salles foi apenas imprudente e, ao fazer o elogio da esperteza a serviço da imoralidade na ação pública, destacou a importância da suposta “tranquilidade” que a vigilância da imprensa dava ao se concentrar na cobertura da Covid-19 para abrir caminhos a medidas que, em tempos normais, encontrariam obstáculos na reação da opinião pública, e dos sistemas Judiciário e Legislativo, alertados pela imprensa.
Disse ele, como se desse instruções a comparsas sobre como bater a carteira dos desavisados: “ (...) pra isso, precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid-19, e ir passando a boiada, e mudando todo o regramento, simplificando normas. (...) Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação, é de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos”.
É justamente essa a atribuição da imprensa, fazer com que a Nação saiba os projetos e desígnios do Estado, e possa debatê-los. Era isso, exatamente, que o ministro não queria que acontecesse. A “opinião pública” surgiu através principalmente da difusão da imprensa, como maneira de a sociedade civil nascente se contrapor à força do Estado absolutista e legitimar suas reivindicações no campo político.
Não é à toa, portanto, que o surgimento da “opinião pública” está ligado ao Estado moderno, que pressupõe transparência do poder público, e não manobras sub-reptícias que, se precisam da escuridão para serem efetivadas, é porque beneficiam algum setor, e não a sociedade.
É por isso que o papel da imprensa profissional é o de ser o cão de guarda da sociedade, segundo definição clássica do presidente dos Estados Unidos Thomas Jefferson, que dizia que, para cumprir essa missão, a imprensa deve ter liberdade para criticar e condenar, desmascarar e antagonizar.
A diferença entre figuras como Bolsonaro e Jefferson está não apenas aí, mas também. No sistema democrático, a representação é fundamental, e a legitimidade da representação depende da informação. “Uma nação conversando consigo mesma” é a definição de jornalismo do teatrólogo americano Arthur Miller, enquanto para Rui Barbosa, a imprensa é a vista da nação. “Através dela, acompanha o que se passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa e se acautela do que ameaça”.
É dessa vigilância cidadã que fugia Ricardo Salles, que já havia mentido oficialmente ao rejeitar as denúncias de ONGs de que o desmatamento da Amazônia estava crescendo muito, depois que justamente ele, aproveitando que o país está preocupado com as vidas que estão sendo ceifadas pela Covid-19, afrouxou as normas de fiscalização na região.
Como demonstrou o ministro do Meio Ambiente, o jornalismo continua sendo um espaço público em torno do qual se forma o consenso para a construção da democracia, e é através dele que a sociedade opina e recebe informações que lhe permitirão tomar posição diante de decisões do governo.
Recentemente, o chefe do Gabinete do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, depois de se queixar da imprensa, disse que o governo tem as redes sociais para defende-lo das críticas. Confundiu militância política e fake news com informação com credibilidade. Assim como Bolsonaro confunde os organismos oficiais de inteligência e informação com seu sistema particular que, por ser clandestino e ilegal, não tem credibilidade. O bom jornalismo depende da credibilidade de quem o faz, e essa credibilidade está posta em xeque pelas milícias digitais a serviço do governo, qualquer governo.
in O Globo, 26/05/2020

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Cinco dicas para aliviar a ansiedade da quarentena e do coronavírus


Primeiro o trivial
Muita gente está, com muita razão, sentindo-se ansiosa e com medo não apenas da doença causada pelo novo coronavírus, mas também ante a paralisação da sociedade e da economia, com um nível de incerteza não vivido por gerações.
Você não está sozinho em se sentir assim. Mas o que você pode fazer quando seus pensamentos continuam agitados e não consegue se livrar da sensação de aperto no peito?
"Siga as notícias e as instruções dadas pelas autoridades. Essa é a melhor estratégia de enfrentamento que você pode ter. E deixe-me acrescentar logo: essa situação vai melhorar," diz Hans Nordahl, professor de psicologia clínica e medicina comportamental na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia.
Nordahl acentua que é natural sentir mais preocupação, ansiedade e desconforto em uma situação como a atual. De fato, o medo pode até mesmo ser útil em certa medida.
"Paradoxalmente, o medo do coronavírus pode ajudar a conter a propagação da infecção, mas o medo também pode facilmente sair de proporção e deixar as pessoas ansiosas e estressadas no dia a dia," ressalva ele.

A perspectiva maior
Mas é possível também lidar melhor com toda esta situação, sem sofrer desnecessariamente ou de forma exagerada. Para o pesquisador, isso pode começar com a pessoa colocando a situação atual em uma perspectiva mais ampla.
"Lembre-se de que esta é uma situação muito especial que não experimentamos no período pós-Segunda Guerra Mundial. Esta fase de nossas vidas estará nos livros de história. A história está sendo escrita agora. Você faz parte dessa história. Nós estamos sendo expostos a uma nova crise, tanto em termos de saúde quanto da situação econômica. Tivemos crises econômicas, demissões e falências há dez e vinte anos também, mas não um problema de saúde como esse," destaca Nordahl.
Ter essa noção clara de que esta situação vai passar pode também nos ajudar a vê-la não como uma catástrofe, mas como um grande desafio, algo de que até nos orgulharemos quando contarmos essa história e de como tivemos forças para enfrentá-la e superá-la.

"Desafios são algo sobre os quais podemos agir. Preocupações e pensamentos catastróficos podem facilmente nos levar a verificar se há sintomas ou desconforto no corpo e na cabeça, o que, por sua vez, provoca sensação de mal-estar e ansiedade. A ação é o que é importante agora e evitar cair na armadilha da preocupação e do pensamento catastrófico," diz Nordahl.
Para ser mais direto e mais prático, o psicólogo oferece cinco dicas para lidar com o medo da pandemia, do coronavírus, da situação econômica e dos atos desastrados de políticos que demonstram não saber o que fazer:
  • 1.
    Esteja ciente dos fatos da situação quando surgirem pensamentos de ansiedade. Uma abordagem orientada a fatos é útil em tempos incertos. Você ganha um controle melhor e mais eficaz sobre a situação e minimiza seu pensamento catastrófico. Lembre a si mesmo de que ser orientado a fatos implica verificar o que é relevante e o que você realmente sabe sobre a situação, em não se iludir ou se concentrar ou especular sobre o pior que poderia acontecer.
  • 2.
    O pensamento catastrófico cria preocupação e ansiedade. Qual é o sentido de pensar nisso como um desastre? Se você vê toda essa situação como um desafio, irá pensar em qual é a coisa mais útil em que você pode se concentrar. Por exemplo, você pode criar um plano para lidar com as questões financeiras? Se você for demitido, como pode usar o tempo?
  • 3.
    Muitas pessoas têm problemas para lidar com os desafios da vida, mas se preocupar não ajuda. Preocupar-se não é muito útil para resolver problemas e inibe atividades que podem resolver problemas. É como sentar em uma espécie de cadeira de balanço mental, balançando freneticamente para frente e para trás, sem chegar a lugar algum. Preocupar-se é sucumbir ao pior resultado possível. As preocupações surgem e criam estresse e turbulência. É natural se preocupar, mas quão apropriado é se preocupar o tempo todo?
  • 4.
    Preocupações e ansiedade podem surgir quando você se concentra em ameaças e perigos futuros. Pense mais sobre o que você pode fazer no momento e se envolva em atividades que você pode fazer agora. Que tal fazer uma faxina? Ou finalmente arrumar aquele armário? Lavar as janelas? Pintar a garagem? Usar aquela esteira que tem funcionado como cabide há anos? Faça coisas práticas ou úteis que você não teve tempo de fazer antes.
  • 5.
    Sinta-se à vontade para compartilhar suas preocupações ou sentimentos de ansiedade com outras pessoas, se sentir necessidade, mas compartilhe outras coisas que também são importantes na sua vida cotidiana. No final, é você quem decide se deseja focar ou não na ansiedade.
"Se você vê esta situação como um desafio, vai pensar no que é mais apropriado para você se concentrar, aqui e agora," sugere o professor Nordahl.


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